ABUNÃ
ABUNÃ
David de Carvalho
Esta
obra é de um escritor itaunense, li quando era muito jovem e a reli agora. A
começar pelo nome já se trata de um desafio, porque à primeira vista parece ser
um nome indígena e deve ser de fato, porém, não encontrei nenhuma referência a
isto em minhas pesquisas.
A minha percepção se vale de que é o nome de
um distrito da capital de Rondônia, Porto Velho, e também dá nome a um rio que
nasce na Bolívia, sendo o marco fronteiriço entre Brasil e Bolívia no Estado do
Acre cujo, curso de água caudaloso também faz parte da bacia amazônica e sua
foz deságua no rio madeira.
Do lado Brasileiro ele é conhecido por Abunã e
na Bolívia por Abuná, tem praias lindíssimas e muito frequentadas em Fortaleza
de Abunã.
Ao todo a obra traz sete
histórias: Abunã; Quiriri, Gudumunho, Casal café com leite, Chico, o meu pássaro-preto,
Mula-sem-cabeça e O carneiro da concórdia.
Curiosamente, Abunã é o nome de uma iguaria
culinária da região mencionada no livro e descrita assim:
“Hem? Abunã? Em língua de
bugre, quer dizer pirão feito de ovos de tartaruga. A gente faz a mistura com
farinha de mandioca e um pouco de açúcar. É mesmo de lamber a ponta dos dedos.
De-primeiro, aqui nas praias era um putici desses bichos de cascos quebrados
nas costas. Hoje? Hum?”
O autor usa e abusa da onomatopéia e com
razão, pois a mata, a natureza tem sons então ele inicia sua história com “Tuim-im!
... Pá! ... Terra! ... O rifle 44 papo-amarelo ditava a lei nos seringais.”
David de Carvalho não omite as informações
que trouxemos acima faz parte da história, estamos no Acre, início do século
XX, a extração de látex das seringueiras a pleno vapor e o lugarejo estava
abarrotado de jagunços vindos de vários lugares do nordeste; da Paraíba, de
Alagoas, de Pernambuco, mas quem conta a história é natural de Crato do Ceará.
Há na escrita do autor um uso abundante de neologismo
típico dos escritores mineiros à Guimarães Rosa, mas muito próprios a ele, só
para citar alguns temos: estropício, demudando, Beleleú, escamoteada,
ispromentada, danisca. Olha a riqueza é tanta que todas estas palavras estão na
primeira página. Seria mentira minha dizer que não tive dificuldade com alguma delas,
mas o contexto facilita o entendimento da narrativa.
Tonzé, apelido pelo qual
é conhecido o coronel Antônio José Militão, é dono de tudo, não só é o
proprietário das terras, como das pessoas. É a escravidão disfarçada, porque o
seringueiro tem a obrigação de extrair e preparar o látex em bolotas para serem
comercializadas pelo coronel vivendo da troca do que recebe. O salário é previamente
combinado, podendo pegar o que precisar na venda, que é de propriedade do
coronel, sob as regras do estabelecimento.
A bodega tem um Regulamento estampado que diz
que o seringueiro que infligir as regras será multado em cem contos de réis: se
cortar a seringueira com corte menor que o gume do machado; se levantar o tampo
da madeira, no momento de ser cortada; se sangrar com machadinha de cabo maior
que quatro palmos; Havia também multa de 50% do valor da compra, caso, comprasse
de outro estabelecimento; para deixar o seringal teria que acertar primeiro
todas as dívidas e por fim, sofreria a perda das benfeitorias feitas no local mesmo
liquidando a dívida.
O coronel, um mulherengo de plantão, ficava
de olho nas mulheres solteiras que desciam das gaiolas e se gabava pelo gosto
por elas: “Morro por mulheres... Ah! Se morro, morro sim.”
Sô Tonzé andava de olho na Dotéia, menina moça,
que também caíra no graças de outro a quem o coronel apelidou de Bilibiscuí,
mas a menina só tinha olhos para o forasteiro vindo das bandas do Gogó-de-sola.
No entanto, para saber no deu este imbróglio será preciso ler, pois vale muita
a pena.
Gostei de todas as histórias, principalmente
da primeira e da última. O cordeiro da concórdia é uma história que se passa por
aqui no entorno de Itaúna, porque nas histórias afora a de Abunã que é no Acre,
as demais se passam no Estado Minas Gerais e há lugares mencionados como
Jacuba, Iguatama, Porto Real, Morro da Onça, Palmital, Arcos, Calciolândia, São
Roque, Vargem Bonita, uma abundância de locais, mais pertos ou mais longes
daqui, mas que pertencem a uma região que, o autor pretende delinear.
Quem conta a história do cordeiro da
concórdia é o crioulo Benedito Marimbondo, um homem já envelhecido pelos dias e
agora a serviço do vigário para recolher o dízimo passando pelo Morro dos Macucos
de volta para a Vila de Nazaré, ao longo do caminho indo num, zum-zum, chape,
passa ele casa por casa, recebendo dos fiéis e levando as encomendas para os
santos.
O que chama a atenção é o linguajar crioulo
do velho Benedito, que se diga de passagem é de difícil compreensão, mas que é
a cereja do bolo, vejam só este diálogo do Benedito com Inocêncio:
“– Cêncio, o timbuno vilendiado
que invém lá é o Benigo invindo da cumbara. E num tem nenhum ingome não. É
orogome de bruaca de bigiganga na cangalha. Inda onte breganhei com ele frango
e ovo introco de água de cangúru, massa do iquê do vienguê, tipono, massongue e
água de cabenge de marava.”
O relato está impregnado dessa fala cabocla,
que tudo indica ser o dialeto crioulo, só este fato coloca esta obra no
patrimônio cultural de Itaúna, digo isto sem medo, é uma relíquia que merece
ser preservada e não é à toa que este livro foi ganhador de cinco prêmios de
literatura no Brasil.
Convido-os a lerem este clássico itaunense,
merecedor de todos os elogios, no meu humilde entendimento.
Itaúna-MG, 08 de
junho de 2024.
Cláudio Lisyas Ferreira Soares.
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