O AMANUENSE BELMIRO




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O AMANUENSE BELMIRO
Cyro dos Anjos
            Nome peculiar para um livro. Talvez a maioria de nós não saiba mais do que se trata a palavra amanuense, que com o passar dos anos caiu no desuso e perdeu-se no uso coloquial.
            Amanuense é o termo que se usava para nomear um funcionário de repartição pública responsável pela emissão de cartas, ofícios e encarregado dos registros de documentos recebidos ou emitidos por aquela unidade estatal.
            Belmiro é o protagonista e como funcionário público, um burocrata.
            Comumente ao final da tarde, reunia-se num bar das redondezas após o laborioso dia, nas famosas mesas de boteco de Minas Gerais, estavam ali todos para falar de política e filosofia, afora as animosidades, corria serenamente os encontros e vez ou outras eram sacudidas pelos arroubos dos mais inflamados, mas nada que viesse desfazer a amizade e o respeito construído ao longo dos anos.
            A vida se resumia ao trabalho e os cuidados com a manas em casa, é que Belmiro desde a morte de seus pais passara a cuidar de suas tias Emília e Francisquinha.
            Belmiro narra em seu diário os acontecimentos cotidianos, é um livro de memórias, não daquelas reminiscências distantes e resgatadas da infância que vez ou outra aparecem circunstancialmente, mas as recentes, as de ontem ou talvez de anteontem. Também não é apenas a descrição dos fatos ocorridos, mas estão empacotados em suas reflexões e análises do acontecido.
            Belmiro nos mostra a sua solidão acompanhada, daqueles que apesar de estarem numa multidão, dela não fazem parte e nem querem fazer e de tão abstraídos que são se tornam uma ilha num mar de gente.
            O momento não é propício para ele porque a solidão o incomoda e ele está a se perguntar, porque não se casou? Talvez a timidez o impeça de investidas que seus comparsas facilmente desferrem contra o gênero feminino e ele se sente incapaz de tais manifestações.
            Belmiro sofre de uma paralisia imposta pelo excesso de análise, que ele mesmo concorda quando diz que de tanto fazer considerações ele sempre acaba em antinomias, para ao final não dar em nada.
            Jandira é a única mulher do circulo de amigos e a conhece desde a infância. Ela tem em Belmiro seu confidente e particularmente anda cansada de esperar o príncipe encantado. Confessa que já não suporta mais as cantadas dos homens e que pediu demissão do emprego de secretária do Dr. Pereirinha, advogado, casado, mas que vivia a se insinuar e por último quis agarrá-la no escritório, não fosse a chegada inesperada de um cliente e teria sido difícil ou impossível desvencilhar-se do inconveniente advogado.
            Belmiro para consolá-la diz-lhe que o melhor era então ele se casar com ela e assim salvar a ambos. Tudo terminou por ali mesmo porque ela teve aquilo por pilhéria o que a meu ver dado o temperamento e o caráter do Belmiro estava mais para uma proposta de casamento.
            É perceptível entre eles uma real possibilidade de matrimônio, no entanto, isto se perde na obra, ficando para o leitor mais atento a frustração do que poderia ter sido.
            Outra coisa memorável na obra é a descrição de Belo horizonte, que apesar de o livro ter sido escrito em 1937 e a história se passar no ano de 1935, quem é mineiro se sente em casa mesmo nos dias de hoje, porque está ali a praça sete, a Rua Bahia, os seus arredores.
            Por causa de todo este contexto, Belmiro ama platonicamente, tem por hábito criar a imagem da mulher amada sem ter contato físico com a mesma, apenas porque constrói idilicamente a mulher de seus sonhos, mas que se desfaz como miragem quando descobre que não é o que esperava, ou se decepciona com a mulher que vindo a conhecer, de fato é.
            Nestas inúmeras aventuras mentais, Belmiro cria para si o mito da mulher amada, cuja memória do carnaval passado ele se lembra de um encontro com a donzela a que denomina ARABELA, mas que veio, a saber, se tratar de Carmélia.
Todo esse sonho se desintegra quando descobre que naquela noite de carnaval teve um surto e foi colocado num sofá para recuperar-se de um possível porre, fato contado por Carmélia a Glicério, que lhe disse que o único sentimento que ela nutria por ele era o de penúria exacerbada, o que obviamente destruiu suas pretensões, mas não afastou os sentimentos de paixão nutridos por ela.
O autor é brilhante e anda esquecido. Ele retrata um tipo bastante comum em Minas Gerais, porque aqui há muitos Belmiros, sujeitos introspectivos, tímidos, pensativos, cultos, letrados e solitários, totalmente conquistados pela desconfiança que nutrem de si e dos outros.
Não pense você que vai ler uma obra qualquer, o livro é excelente e muito bem escrito. O autor, CYRO DOS ANJOS, é uma maravilha, faz a gente pensar, sonhar e ver o mundo da janela. É mesmo uma dádiva. O andamento da obra é calmo, mas não é lento, há um gosto machadiano na leitura e uma atmosfera memorialista de Proust. O autor tem uma aglutinação de vários estilos próprios de seu tempo.
Tenho a Honra de lhes apresentar, para os que não o conhece, um autor mineiro de boa cepa.
Felicidades para os que o lerem.
Até a próxima.
Itaúna (MG), 28 de julho de 2017.
Cláudio Lisyas Ferreira Soares
 

  

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