VILA DOS CONFINS
Imagem tirada do google imagens
Vila dos confins
Mário
Palmério
Percebo que em toda literatura seja
ela daqui ou de outros países, sempre existiram autores que criaram com seu
estilo próprio e independente, uma escola.
Este me parece ser o caso de
GUIMARÃES ROSA que em meados do século XX fez nascer com sua obra o universo
roseano, marcando profundamente um período e gerando escritores com o mesmo
cerne dos contadores de causos tão
abundantes em Minas Gerais.
Mário Palmério não fugiu desse
legado roseano, logo na estreia encantou tanto a crítica como os leitores com
seus tipos e casos do sertão mineiro.
Vila dos Confins “é um mundão
largado de não acabar mais”, essa desenvoltura com as palavras e a estreiteza
com as maneirices do povo é que fazem brilhar aos olhos a delícia do sertão de
confins.
Vila dos confins é uma cidade
imaginária, mas que ganha forma logo de cara na apresentação, pois o autor
descreve suas confrontações delineando a imensidão de terras abrangidas pela
narrativa, além do mais descreve com maestria, sua vegetação e a fauna, o povo
da cidade e do campo.
Como não podia deixar de ser há
também os peculiares personagens que ganham espaço especial mais parecendo
contos inseridos no romance, mas que interagem no contexto da obra.
“Sol
já meio de esguelha, sol das três horas. A areia, um borralho de quente. A
caatinga um mundo perdido. Tudo, tudo parado: parado e morto.” Eis como
começa o livro, “Mas alguém cruza aquelas
lonjuras”.
XIXI PIRIÁ, caixeiro viajante, isso
mesmo mascate, cortava tudo quanto é lugar a pé e vendia de tudo, no entanto, hoje
ele está faceiro, alegre como nunca, é que Dª. Mariana vai casar a caçula e ele
trás nas costas um malão de coisas para esparamá na mesa de cabriúna do seu
Chagas, que vai logo dizendo: “Bote tudo na mesa, Xixi”.
Nem tudo por lá é sol escaldante e
areia incandescente, temos ali também “tiras
de mato e varjões beira rio” onde
abundam todo tipo de animais pequenos ou grandes. A caça é farturenta todo tipo
de “passarão morador nas redondezas de
água corrente e parada”: jacus, jaós e patos e nos “campos tem caça miúda, perdizes, codornas e nhambus”.
Quando se trata, porém, de coisa
grande lá tem “emas, queixadas, capivaras
e todo tipo de veados das três moradas: campeiros, catingueiros e mateiros”.
Os animais de grande porte ONÇA
PINTADA, SUCURIS E JACARÉS infestam as cabeceiras e brejos daqueles cafundós e
onde há caça, há caçador.
PADRE SOMMER, gosta mesmo é de caçá
onça pintada, mas já pegou de tudo, inclusive, sucuri de cinquenta e nove
palmos, sonha com o dia em que vai pegá uma onça preta, raridade, mas dizem que
tem uma rondando por lá e não é que esse dia chegou.
O cearense e os companheiros
tinham sido assaltados por uma onça preta. E chamou quem, claro o Padre.
Tudo isso contado em volta da
fogueira, enquanto Maria da Penha trazia biscoitos e bolinhos com café, o
deputado Paulo ouvia atentamente o detalhamento do caso e esperava como todo
mundo o desfecho da ladainha, que em se tratando do padre foi pormenorizada.
O clímax se dá quando a matilha de
cães encurrala a onça num buraco no barranco perto do rio. O padre Sommer
deixando de lado as tralhas passa a mão numa Zagaia, feita por ele mesmo de
madeira de pau-d’arco, braça e tanto de comprido, que trazia na ponta palmo e
meio de aço alemão, espera reforçada e de corte dos dois lados.
Empunhando uma lanterna junto à
zagaia, o padre abaixa-se e entra no apertado buraco, para no final do mesmo
encontrar um lugar espaçoso mais parecido com uma gruta de tão grande. Por
precaução encosta-se a parede interna da gruta e passa a examinar o dormitório
da onça, que por ser de cara preta a única coisa possível na escuridão era que
os seus olhos chamejantes a denunciassem.
E assim foi quando os dois cristais
brilharam à sua frente, vislumbrou então o padre, a onça em pé nas duas patas
traseiras e caminhando em sua direção com as duas patas dianteiras abertas e
caindo por sobre os ombros de tal maneira, que o encontro terminaria com um
abraço fatal da fera.
A criatura caiu em cima do padre,
que apoiou as costas na parede interna da loca e segurou firme o cabo da zagaia,
enquanto a onça se abraçava à mesma e sentia o fio da navalha de aço alemão
vazar o seu ventre e perfurar suas entranhas.
A onça morreu agarrada ao cabo da
zagaia, que com suas unhas puxava para si e fazia com que o aço cada vez mais a
dilacerasse. Para o padre o resto foi só esperar.
Matreiramente outros causos vão
sendo contados, enquanto o tema principal vai se desenrolando ativamente é que
o deputado Paulo está em campanha em favor de Antero e o Chico Belo não nutre
por ele qualquer simpatia, pelo contrário é seu inimigo declarado.
São tensas as eleições, tem para todo
gosto, jagunço de plantão, emboscada, a tragédia na travessia de balsa no rio.
Ah! Isto é outra história, senão
tenho de contar o livro todo, que de tão bom que é me deu saudade e vou reler,
porque o li já faz tempo, mas tenho vivo na memória, muitos dos “causos” ali
contados, inclusive conversas que tive com o professor Miranda, que me falou
sobre a passagem de Mário Palmério por essa comuna quando concorria à cadeira
de GUIMARÃES ROSA na Academia Brasileira de Letras e isto também é outra
história, para outro dia, mas é fato.
Itaúna (MG), 09 de agosto de
2017.
Cláudio Lisyas Ferreira Soares
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