O XANGÔ DE BAKER STREET
Imagem tirada do google imagens
O XANGÔ DE BAKER
STREET
Jô Soares
Quem não conhece Jô Soares? Comediante,
humorista, dramaturgo, disparado o melhor entrevistador da TV brasileira e
também escritor de mão cheia. Nós até já nos referimos a ele como sendo “o
nosso Jô”, porque tornou-se íntimo de todos, pois é recebido nos lares de todo
Brasil com o seu programa diário de entrevistas e vai colecionando fãs a torto
e a direito.
Não precisa de maiores
apresentações, já o conhecemos, mas muito pouco conhecido como escritor. Acabei
de terminar a leitura de exatamente seu romance inaugural O XANGÔ DE BAKER
STREET.
Devo dizer que gostei muito, o
estilo é inconfundível, a comicidade estava presente, o vasto conhecimento
histórico aliado ao arcabouço cultural é de dar inveja, fora a pesquisa e a
reunião de nomes que de fato existiram e se fizeram presentes no cenário da
capital do país naquele tempo.
Desfilam na obra D. Pedro II, Sarah
Benhardt, Olavo Bilac, Arthur Azevedo, Guimarães Passos, Chiquinha Gonzaga
entre outros e claro o ficcional personagem de Arthur Conan Doyle, Sherlock
Holmes.
A cidade é Sebastião do Rio de
Janeiro, capital do império, reinado de Pedro II exatamente no ano de 1886,
aguardando a chegada da atriz Francesa Sarah Bernhardt que vem à capital
federal em turnê ao Brasil apresentar o espetáculo, ao lado de Philippe Garnier,
“A dama das camélias”, um drama de Alexandre Dumas Filho.
Como peça de estreia no país
representou magnificamente Fedora de Victorien Sardou e na segunda noite A dama
das camélias, ao final, após os apupos dos presentes e ovacionada por todos
dirigiu-se ao seu camarim para descansar, porém foi impedida de realizar tal
intento porque à porta o Imperador Pedro II e uma comitiva a aguardava para
parabenizá-la.
Ao avistá-lo foi logo dizendo “Vive
l’empereur”, tendo como resposta “Et vive la reine du talent”, dali seguiram
até o camarim onde D. Pedro confidenciou que lastimava a ausência da Baronesa
de Avaré, Maria Luíza Catarina de Albuquerque, dizendo ser ela sua maior
admiradora.
Curiosa Sarah pergunta o que a
impediu de estar presente, sendo então informada que haviam surrupiado o
violino stradivarius presenteado por ele e por isso até os escravos da casa estavam
a dizer que a baronesa está com banzo, o equivalente a melancolia, tristeza, o
mesmo como quando os negros sentem falta da mãe África.
Assim a atriz se prontificou a
ajudar sua Majestade dizendo conhecer um detetive inglês muito famoso e que
seria capaz de descobrir quem foi o ladrão e onde encontrá-lo e com isso
resgatar o violino para a baronesa.
“Naturalmente, Vossa Majestade ouviu
falar de Sherlock Holmes”.
Em outro local, a vida, no entanto, não
está nada fácil para o delegado Melo Pimenta pois Olavo Bilac publicara um
panfleto contra a monarquia e o delegado deixara escapar perto de jornalistas que
se encontrasse o “subversivo” certamente ele passaria alguns dias no xadrez.
Claro que aquilo era apenas retórica, não tinha de fato interesse em prender
Bilac, até porque agora estava envolvido no assassinato de uma prostituta da
rua do regente.
O caso chamara muita a atenção de
todos. Saraiva o médico legista trouxe informações para lá de curiosas sobre o
homicídio, que foi logo disparando: pelo estado cadavérico da jovem o crime
deveria ter ocorrido na madrugada de quarta-feira, aparentando cerca de quinze
a vinte um anos de idade a vítima tinha o corpo frio e exangue. Tinha lábios
cianóticos, pupilas redondas e regulares, dilatadas bilateralmente. Fígado
comprometido pela ingestão contumaz de bebida alcoólica, se não tivesse sido
ceifada pela mão do assassino, certamente seria exterminada por uma cirrose precoce.
A causa morte foi sem dúvida a ferida no pescoço, ou seja, um corte que
dilacerou sua laringe e a faringe horizontalmente, cujo golpe se deu da direita
para a esquerda.
O curioso no episódio foi, que o
degolador após o sacrifício de sua vítima lhe extirpou as orelhas. Já ansioso o
delegado perguntou se não havia algo mais além das informações técnicas.
Saraiva por sua vez disse sem rodeios: “- Claro que há, o melhor eu deixei para
o fim.”, e assim dizendo, depositou nas mãos do delegado a corda enrolada de
violino encontrada junto aos pêlos da genitália da vítima.
Os jornais noticiaram o furto do
violino para desagrado do imperador cujo interesse é que não chegasse tal
revelação aos ouvidos da imperatriz, também falavam que o régio governante
pretendia contar com os cuidados do famoso detetive inglês Sherlock Holmes.
É nesse ambiente “sui generis” que
nosso caro Jô vai escrevendo seu romance cômico policial, do qual sem dúvida
nenhuma não temos do que reclamar porque é muito bom estar no Rio de Janeiro do
final do século dezenove, envoltos no clima romântico dos tempos da monarquia.
Itaúna-MG, 10 de abril de 2020.
Cláudio Lisyas Ferreira Soares
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