OS BENS TERRENOS
OS BENS TERRENOS
Anne
Tyler
A vida apesar de curta às vezes
cansa, principalmente, se não corresponde às expectativas, se tudo à sua volta
precisa de mais cor, se não é o que você planejou, se a idade chegou e impôs
uma realidade distante da sonhada nos anos áureos.
Sim é difícil reconhecer que se acomodou,
que sucumbiu, que outros conseguiram, mas você não.
E se eu quiser mudar tudo o que
basta. Já sei. Sairei de fininho, ou como dizem por aí à francesa e quando
perceberem fui.
Esta é para Charlotte Emory a única perspectiva
razoável enquanto ainda há tempo, porque casada com um marido insoso, que
sempre lhe diz: “você sempre voltará para mim”, na casa dos quarenta, ressecada
por dentro, enclausurada em sua própria casa, dessa vez, diz a si mesma, vou-me
embora de vez.
Assim, como o casamento não ia bem,
Charlotte decide deixar seu marido. Vai
ao banco para pegar dinheiro para viagem, simples desse jeito, entra na fila do
caixa, atrás dela, um homem atarracado, baixinho, com as mãos no bolso de sua
blusa de náilon, à sua frente outro homem mais alto e esguio parece que vai
levantar uma quantia considerável em notas pequenas.
A caixa contou as notas de cinco e
pegou um maço de notas de um, foi então que percebeu um braço em volta do seu
ombro e o homem atrás se apropriou das notas e anunciou o assalto e tudo indica
que Charlotte é a refém, a garantia para sair dali ileso.
Como
ela fica nessa e os seus planos?
Este é o drama de Charlotte, contado
por Anne Tyler, escritora americana, nascida em Minneapolis, Minnesota, autora
de vários sucessos e do aclamado “O TURISTA ACIDENTAL”, levado às telonas em
1988, com elenco hollywoodiano invejável contando com a participação de William
Hurt, Kathleen Turner e Geena Davis.
Dona
de um estilo encantador escreve principalmente dramas psicológicos, que retratam
o cotidiano do homem comum, normalmente na crise de meia idade, frustrados,
anônimos, mas que pode muito bem ser você e se for este o caso, meus pêsames.
Aqui
ela produz o retrato de muitas mulheres do século XX, que tinham a esperança de
serem felizes seguindo os passos de outras mulheres, donas de casa, engajadas
com uma profissão de professoras e que teriam suas próprias casas, mobiliadas
por elas mesmas e longe das tralhas deixadas por seus pais, enfim um paraíso
familiar.
Mas quando não é isto que acontece,
bate aquele desejo de fugir para bem longe para recomeçar com outro nome, quem
sabe outra vida, distante de tudo que lhe faça lembrar o seu fracasso pessoal,
porque posso não ser jovem, no entanto, também não estou velho e o tempo está a meu favor.
Totalmente insatisfeita resolve
partir sem dizer adeus. O problema é o imprevisto, o fato de existir um infeliz
mais infeliz que ela pronto para cruzar seu caminho, louco também para resolver
seu dilema achando que sua inconseqüente decisão de assaltar um banco ainda que
numa cidadezinha como Clarion, não trará nenhum embaraço se fizer dela uma
refém, quando o que esta refém mais quer é desaparecer e não, se tornar um
noticiário.
O romance é um emaranhado de
conflitos atuais e lembranças recorrentes, a autora escreve capítulos falando
da fuga empreendida pelo marginal e a refém sequestrada no assalto a bancos e
as lembranças de Charlotte que como uma colcha de retalhos são a reflexão
íntima sobre seu estado, parecendo que velhas mágoas vão sendo no percurso da
fuga, curadas, fechando feridas há muito abertas e são agora devidamente
suturadas.
Se você caro leitor gosta de romance
mais perto da realidade, menos fantasioso, com profundidade capaz de sentir a
angustia do protagonista está aqui um bom receituário. Não posso afirmar que
este é o melhor romance da autora, mas não será nenhuma perda de tempo ler as
pouco mais de 195 páginas.
O único senão são as incorreções
espalhadas por falta de uma revisão mais preciosa, mas isto não impede ao bom
leitor de extrair o melhor desse drama.
Vale lembrar os dizeres de Cavallo,
tipógrafo, que fez a seguinte declaração: “Em toda ação humana, quase por necessidade, ocorrem erros; porém
onde surgem mais facilmente e são mais numerosos e com diferentes formas é na
impressão dos livros; e não posso imaginar outra coisa onde possa haver mais.” Veneza 1563.
ATÉ OUTRA PUBLICAÇÃO, SE DEUS QUIZER.
Itaúna (MG), 01 de março de 2017.
Cláudio
Lisyas Ferreira Soares.
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