A MORTE E A MORTE DE QUINCAS BERRO D'ÁGUA


Livro A morte e a Morte de Quincas Berro D'Água

A MORTE E A MORTE DE QUINCAS BERRO DÁGUA
Jorge Amado
                         Quero começar confessando que o autor JORGE AMADO nunca foi tão amado por mim, mas por muito tempo e tempo demais, desprezado, por razões preconceituosas ou rançosas, devido ao seu linguajar obsceno, às vezes chulo.
                        A lástima de tudo isso é o afastamento, por falta de maturidade de leitura e saber isentar-se de suas ideias preconcebidas para ler um escritor de peso e que merece todo respeito pela sua visão da realidade, de seu tempo e principalmente porque é sem sombra de dúvidas um grande contador de estórias.
                        Suas ideias na obra em comento são claras, seus objetivos foram colocados em aberto e com precisão espetacular, tenho orgulho de ser hoje um de seus leitores.
                        Faz algum tempo que li esta novela amadiana.          É considerada por muitos, uma de suas obras primas e de fato até pode ser, mas fica parecendo como obra definitiva e o universo de Jorge Amado é muito mais do que este aprisionamento que a rotulação costuma enredar certos autores quase que obrigando os leitores a lerem somente a referida obra ou obras.
                        O enredo novelístico é interessantíssimo e a proposta para o leitor é mostrar as mortes, sim MORTES, de Joaquim, este o primeiro falecido, um homem pacato, morador de Salvador, conhecido no bairro, soturno e introspectivo, resignado no trabalho, servidor público, pai de família, respeitado, casado e INFELIZ.
                        Trabalhou uma vida inteira, criou os filhos, tolerou uma mulher ranzinza e hipócrita, sugadora, uma serpente constritora, que o sufocou em todos os anos de sua relação, até o abraço final que o fez sucumbir, para viver.
                        Foi assim, um dia com a família criada, com o respeito do homem subjugado, depara-se aquele sujeito consigo mesmo e resolve não mais ser ou melhor, deixar de ser e morrer, a morte escolhida, a do anonimato, a do desprezo.
                        Morrendo Joaquim, nasce Quincas Berro dágua, o beberrão, vagabundo, sem teto e sem pouso, FELIZ.
                        Agora não tem que tolerar a esposa insuportável e pode doar-se às prostitutas, às pra quem qué ou para as que o queiram.
                        Vai viver paixões e desilusões, amores e desamores. Vai dormir ao lento e relento, hora na praça, ora no regaço da amante, ou na sarjeta, bêbado, solto e livre.
                        Bem se vão os anos e a saúde também, para por fim quedar-se na incontestável hora do apagar das luzes.
                        Para a família, teve uma morte sem sofrimento, sem martírio, a restar apenas velar-lhe o corpo, dar-lhe um enterro decente.
                        Para os amigos a morte foi sofrida, dolorida e penosa.
                        Presenciamos um velório típico, estavam ali os familiares e os conhecidos em geral, no entanto sem os estropiados companheiros de cachaça.
                        A notícia se espalhara, e pouco a pouco todos comentavam. Não demorou ser descoberta por seus implacáveis amigos de tragos, Curió, Negro Pastinha, cabo Martim e Pé-de-Vento.
                        Curió foi o primeiro, a saber, logo foi atrás de Negro Pastinha, este por sua vez não suportou a perda e debruçou na bebida e lá pelas tantas embriagado lamentou:  “- Morreu o pai da gente ...” não demorou os outros saberem, para juntos seguirem rumo ao quarto em que velavam o defunto.
                        È óbvio que a chegada não foi bem vinda, a família do falecido não gostava da família escolhida pelo morto para viver seus últimos anos, porém cederam e os quatro rodearam o caixão e claro todos naquele porre costumeiro.
                        Já no avançado da hora, momento em que a noite invade a madrugada, o empurra, empurra, para ver quem fica até ser rendido por outro, o escolhido é o genro.
                        Eduardo percebendo que o sono lhe vencia e que os amigos de buteco não se afastariam, deixou a incumbência de ficar com o morto, aos cuidados da trupe.
                        Evidente que não termina aqui esta primorosa novela. A crítica social, intensão primeira do autor, é coroada pela irreverência sincera dos amigos de Quincas e ele apesar de morto ria no caixão do desconforto familiar ante a amabilidade dos companheiros de bebida.
                        Poderia narrar algo mais. Entretanto, porque estragaria o surpreendente desfecho que este admirável escritor brasileiro nos reservou?
                        Saúdo não a mandioca, mas esse baiano retado, cor de acarajé, cínico sem ser desgostoso, apurado na prosa, apaixonado pela boa terra e pela vida.
                        Estava devendo um comentário a obras da literatura brasileira, que não deve nada às estrangeiras, pelo contrário em muitos aspectos é completamente insuperável.
                        Até mais ver, grato como sempre pelos que leem. 
                                                Itaúna(MG), 06 de agosto de 2015

Cláudio Lisyas Ferreira Soares

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