ENQUANTO A NOITE NÃO CHEGA




ENQUANTO A NOITE NÃO CHEGA
            Ler tem que ser um prazer e sem sombra de dúvidas um entretenimento. Esse livro o comprei por razões peculiares, estava na rodoviária de Belo Horizonte, e o encontrei salvo engano numa daquelas livrarias que lá estão.
            A verdade é que pretendia retornar para casa, no ônibus da viação Itaúna, de preferência lendo um bom livro que, não fosse muito grande, nem enfadonho.
            O título me chamou a atenção, apesar de desconhecido o autor. Tinha enredo urbano, tratando-se de cidade pequena nos rincões do Rio Grande do Sul.
            Fiquei ali meio pasmo, pensando que iria inaugurar minhas leituras gaúchas por um escritor que não fosse Érico Veríssimo.
            Josué Guimarães foi a melhor revelação literária para um leitor desavisado, sua pena é leve e culta, o lirismo é marcante e poético.
            Tudo se passa numa pequenina cidade do interior do Rio grande, para variar não menciona o nome é apenas um lugar, tudo lá respira a morte. Todos partiram menos o coveiro e os pais de Adroaldo, o velho e a velha permaneceram, pois não tinham para onde ir até que a morte chegasse.
            Economizavam de tudo até o pulôver que, com a chegada do verão, era desfeito e se transformava em novelo de lã, para lá no meio do ano seguinte ser tricotado outra vez.
            Todo final de tarde coavam um chimarrão enquanto esperavam o coveiro, que vinha perto do cair da noite bebericar o chá de ervas.
            O velho estava disposto a por para correr o coveiro se ele viesse outra vez com a aquela estória de que chovera à tardinha e perguntar se ninguém por ali se resfriara.
            Fala sobre velhice e como ao chegar à terceira idade as pessoas perdem o nome, refere-se aos personagens principais como a velhinha ou o velho, só mais adiante é que se menciona o nome dos protagonistas, cuja menção se faz quase que por acaso.
            Josué Guimarães é primoroso, deixa tudo incógnito, a cidade morreu é o que se sabe, mas não está preocupado a dar explicações.
            O prédio da prefeitura está em ruínas, havia desabado no último temporal.
            Enquanto em volta tudo morre a vida insiste, persiste e prossegue, mas os velhos como que para adiar o fim falam do passado e suas reminiscências.
            Adroaldo é o assunto do dia, falar do filho trouxera a nuvem após o aguaceiro, mas depois de tantos anos a tristeza já não tinha a força para arrancar mais lágrimas da mãe. O filho morrera na revolução, a revolução de 30, o inconformismo ainda é o mesmo, pois para ela: “Adroaldo não era um entre milhares. Era o nosso filho, o que é muito diferente.”.
            Interessante a pouca relevância do tempo, porque nunca sabiam as horas, sabiam que era manhã, tarde e noite, e as horas, quando necessário, por intuição.
            Seguem-se as lembranças, do genro Inocêncio Herédia e o casamento da filha Maria Rita com o melhor partido da cidade. Ele morrera um ano depois de Maria Rita quando do parto de Pedrinho, nesse tempo Joãozinho já havia morrido aos quatro anos de idade de varíola, Manoela inda era viva, quando tudo se deu.
            O texto é sublime, tem momentos memoráveis, quando a mãe diz que o genro morreu de amor... ela logo emenda: “ – Eu acho que, se tu morreres primeiro, eu não resisto um dia
            Evidentemente há muito mais a contar apesar de se tratar de uma obra não muito extensa, porque são poucas páginas, mas muito bem escritas, saliento que se trata de um livro que nos convida a refletir sobre a inevitável hora fatídica com a delicadeza que o assunto deve ser tratado.
            O leitor não se arrependerá com a leitura e ficará interessado em conhecer esse autor que segundo muitos é um dos maiores escritores gaúcho do Século XX.
            LEIA avidamente.
            Até outro dia leitores de plantão.
Itaúna(MG), 23 de outubro de 2015.

Cláudio Lisyas Ferreira Soares

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